Yamaha GTS 1000 – O futuro que não aconteceu

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matéria produzida em parceria com a Revista Duas Rodas

“Essa Yamaha com injeção eletrônica, freios ABS, catalizador, motor de 5 válvulas por cilindro e suspensão dianteira mono braço. Olha pra ela e me diz qual ano de fabricação”

Diego Rosa – colecionador
Sob o comando do piloto Leandro Mello, nossa Yamaha GTS 1000 fez bonito na pista “faz curva muito bem e o motor fala alto”

Com essa brincadeira eu pego a maioria dos amigos que visita a coleção do Motos Clássicas 80. A moto tem design moderno e suas características técnicas colocam em dúvida o visitante. Muitos não acreditam que essa Yamaha já tem 27 anos de estrada! Isso mesmo é uma moto de 1993.

Naquele ano poucos carros no Brasil recebiam injeção eletrônica de combustível e sistema de freios ABS, eram vistos apenas em modelos top de linha, no mundo das motocicletas então, mais raro!

Bem, deixe-me apresentar então, essa é a Yamaha GTS 1000, uma moto exclusivíssima, não apenas no Brasil, onde temos noticias (não confirmadas) de apenas três unidades – na época foram importadas de forma independente. Algumas foram oferecidas para clientes da “Esquina do Veneno” em São Paulo (SP) pelo famoso comerciante Edgard Soares.

O Jornalista e piloto de testes Tite Simões, que nos visitou em 2019 e passeou com a GTS, relatou que foi o primeiro a avaliar essa moto no Brasil. Ele se recorda quando foi retirá-la na loja do Edgard Soares: “Me lembro de ter chegado lá, eu era garoto ainda, e o Edgard olhou pra mim desconfiado – você que vai andar nessa moto? – Sim, sou eu, pode ficar tranquilo (sic!).” E depois de alguns quilômetros rodados Tite voltava maravilhado com tanta tecnologia, e pasmo com o incrível sistema de suspensão dianteira da moto.

Até hoje o sistema de suspensão dianteira ainda gera curiosidade, considerado o cartão de visita dessa Yamaha inovadora

Seria a moto do futuro?

Além do jornalista, muitas pessoas se maravilhavam com o design da moto, entre elas um pré-adolescente, com pouco mais de dez anos, neto do Edgard Soares, conseguia sentir a energia do lugar. “Sempre frequentei a loja do meu avô, desde que nasci” relatou com empolgação Edgard Soares.

“Recordo que era uma época de glamour, os frequentadores da loja tinham alto poder aquisitivo. As motos cotadas em dólar e os clientes eram milionários e famosos entre eles o Chiquinho Scarpa e o Comandante Rolim (da TAM).”

Em meio a tantas motos ousadas a Yamaha GTS 1000 chamava atenção, principalmente por causa do mono braço na dianteira. “Os clientes queriam saber se aquela moto estranha seria o futuro”.

Edgard Soares cresceu na oficina do avô, em plena Esquina do Veneno, “A Yamaha GTS gerava muita curiosidade”

Que suspensão é essa?

A Suspensão é, sem duvida, o ponto alto da historia. O sistema foi concebido por James Parker, inspirado nas antigas motos “Elf” do Mundial de Motovelocidade. O sistema usado nas “Elf” era falho, segundo ele, e isso foi confirmado com o passar do tempo. Parker desenvolveu algo superior, e ofereceu para Honda – que recusou.  Mais pra frente o norte americano procurou a Yamaha USA que levou o projeto adiante.  A moto escolhida para ser equipada era uma sport touring, bem ao gosto dos norte americanos – engolidora de quilômetros, confortável, de bom desempenho e equipadíssima!

A suspensão mono braço não vinha sozinha, ela dependia de um quadro especialmente desenvolvido, chamado de Omega – a letra do alfabeto grego que tem formato similar ao do quadro.  Esse quadro, absolutamente revolucionário, era diferente de tudo que havíamos visto até então. O componente ligava motor e suspensões traseira e dianteira apenas – não sendo conectado diretamente ao guidão.

Pode olhar, uma coisa em comum a qualquer moto é o quadro ligado ao “canote” ou “caixa de direção”, o ponto onde guidão se encontra com a motocicleta.  Na GTS não.  O guidão está ligado a uma estrutura secundária, um sub-quadro.

A grande vantagem desse sistema de suspensão, é que, diferente dos tradicionais garfos, não sofre com deformações e mudanças de ângulos durante as mais diversas fases da pilotagem. Os garfos tradicionais, por exemplo, sofrem uma grande flexão durante as frenagens. Essa flexão, por mais robustos que sejam os garfos, altera ângulos da moto, algo indesejável em momentos críticos da pilotagem.

A suspensão dianteira é o ponto alto do projeto

A usina de força!

O motor de 20 válvulas, já era um trunfo consagrado da Yamaha, equipava desde 1984 a FZR 750, mais tarde veio a equipar a hiper esportiva YZF-R1 e era um tremendo sucesso, então nada mais justo do que adequá-lo ao novo projeto.  Fato curioso sobre esse conceito (Gênesis) é que foi usado pela Yamaha na Fórmula 1. Pouca gente sabe, ou se lembra, mas a Yamaha forneceu motores V8 e V10 para bólidos da categoria, sempre com a receita de 5 válvulas por cilindro – imagine um V10 com 50 válvulas!  Rodrigo Mora, jornalista especializado em automóveis, foi atrás e nos conta um pouco dessa história (leia mais no final do artigo).

Na GTS 1000, o motor da FZR 1000 foi amansado, visando o uso em turismo. Dos 145cv disponíveis na FZR, apenas 100cv se apresentam na GTS, em contrapartida, a curva de torque é muito mais plana e consistente. A moto é uma delicia!

Injeção eletrônica, Conceito Genesis – conceito usado pela Yamaha na Formula 1

Cheia de história

Pra falar disso, nada como conhecer outras pessoas que andaram nessa moto, a unidade do nosso acervo está com 49.500 milhas rodadas – cerca de 80.000km, mas isso não é “nada” pra ela que já encarou uma viagem para Ushuaia (Argentina).

Em 2004 a caminho de Ushuaia, no extremo sul do continente

Quem fez a aventura foi a gaúcha Tatiane Kremer (de Yamaha XT 600) junto com o marido Luciano, pilotando a GTS, na virada de ano entre 2004 e 2005. As lembranças são as melhores. “A suspensão copiava bem o terreno e era possível até ouvir o amortecedor funcionado ao cruzar o trecho de rípio – que na época era de aproximadamente 200 km. A moto permitia longos deslocamentos” o casal chegava a rodar 900 km por dia e, em apenas cinco dias, estávamos no centro de Ushuaia recorda Tatiana.

Outro destaque vai para a incrível proteção aerodinâmica do modelo, permitindo longas jornadas sem problemas com o vento. Apesar de ser uma moto grande e pesada (251 kg a seco), o consumo de gasolina se manteve em 18 km/litro.

Ricardo Lyra viajou mais de 18.000 km entre Orlando e Petrópolis “confiança total na GTS”

Por falar em confiabilidade, veja o incrível exemplo do empresário Ricardo Lyra (65 anos) que, no início de 2019, veio dos Estados Unidos até o Brasil pilotando sua GTS 1.000 – idêntica a nossa. Foram 72 dias de viagem e exatos 18.479 km percorridos entre Orlando e Petrópolis (RJ). Ricardo também destaca o funcionamento irretocável da suspensão dianteira e a penetração aerodinâmica da carenagem que “evitavam a fadiga e o cansaço”.

Com tantos relatos de viagens e aventuras, claro que a GTS é uma moto carismática e as pessoas se apaixonam fácil por ela. Alguns chegam a vender, se arrependem e compram de volta. Isso aconteceu com o gaúcho Pedro Aranha que já foi o dono anterior do modelo por duas vezes. Em 2007 ela esteve na sua garagem, foi vendida, depois foi recomprada em 2016 e ficou com ele até entrar definitivamente em nosso acervo, há um ano. Segundo Pedro o grande atrativo da GTS é “estar e ser diferente”. Ela é incrível, apesar de tanto tempo de fabricação, ainda desperta curiosidade e admiração.

Pedro Aranha – vendeu, se arrependeu e comprou de volta. Mas acabou vendendo novamente, agora pro nosso acervo.

Até mesmo mecânicos experientes se surpreenderam com a GTS e não a esquecem. Foi o exemplo de Renato Augusto de Barros Costa, 43 anos, que teve contato como modelo em 2016 “A moto é um canhão! Apesar do peso, da grande distância entre eixos, o que dificulta pequenas manobras e curvas fechadas, em alta, nas retas, vai que vai!”. Renato, da oficina “Na Manha do Gato” fez uma revisão geral em 2016 nessa GTS que você vê nas fotos.

Vamos rodar então

“Primeiro é o quanto a moto é bonita e está muito nova. Parecia uma moto vinda de fabricante. Extremamente gostosa de andar, confortável e competente. Faz curva muito bem e o motor ainda fala alto. Se não soubesse do sistema de suspensão dianteira diferente, não teria percebido, pois não muda em nada a forma de pilotar. Uma moto que dá prazer de pilotar até hoje. A única diferença é o maior peso que exige mais dos freios”.

Leandro Mello também elogiou o estado da moto “parecia enviada por algum fabricante”

Um dos editores do Motos Clássicas 80, jornalista Cícero Lima também andou nela. Veja sua opinião:

“É incrível como uma moto pode ser tão obediente na pista, aos poucos fui me acostumando e criando coragem para acelerar mais e encontrando as marchas certas para cada curva. Achei interessante a atuação do sistema ABS que hoje pode ser considerado ultrapassado, se comparado às motos modernas. Para ser sincero lembrou o freio do meu antigo Ford Taurus, ano 95, que você sentia o pedal trepidar nas frenagens mais fortes… Na GTS também senti isso, mas é preciso programar a mente para  voltar no tempo e se adaptar às características dessa moto que era futurista em 1993.”

Cícero Lima – jornalista
Cicero Lima, “lembrou bastante o meu Ford Taurus, pelo conforto e o estilo”

A moto não vingou!

Mas caramba, se é tão legal, cadê ela?  Não deram continuidade ao projeto? Não se fala mais do assunto?

Ela foi desenhada para ser o futuro da motocicleta, mas esse futuro não aconteceu. Não gosto de ser “engenheiro de obra pronta”, mas hoje olhando pra trás não é difícil entender as razões desse fracasso.

Pra começar, o motociclista, desde os primeiros passos em qualquer moto, se habitou as “terríveis” flexões dos garfos de suspensão. O monobraço, que parecia um grande avanço na prancheta, em termos práticos foi pouco percebido. Até mesmo em competições de altíssimo nível – como na categoria MotoGP – o sistema foi abandonado.

A Yamaha talvez tenha errado ao escolher o modelo.  Motos Sport Touring são destinadas ao público conservador, diferente das Super Esportivas por exemplo.  E a oferta foi de algo revolucionário, para um público que não necessariamente estivesse disposto a isso. Talvez se tivesse sido lançado em uma esportiva “Puro Sangue” poderia ter feito sucesso.

E o ultimo fator determinante foi o preço elevado.  Aqui no Brasil, por exemplo, uma Kawasaki ZX-11 era vendida por 20 mil dólares enquanto a GTS era avaliada em 30 mil. Nos demais países não foi diferente, nos Estados Unidos beirava os 13 mil contra os 7.5 mil de uma Honda CBR 1000F.

Com isso, pouquíssimas unidades foram fabricadas, ficou em linha por apenas dois anos nos USA, e aos poucos foi desaparecendo. Hoje, sem duvida uma moto desejada por colecionadores que vem alcançando valores maiores a cada ano.

Competição & Customização

Outra curiosidade é que, em 1994 ela foi adaptada e colocada pra correr no famoso evento TT da Ilha de Man.  Relata-se que, a ciclística era tão acertada que a parte inferior do braço de suspensão dianteiro chegava a arrastar no asfalto em algumas curvas pra esquerda.

A GTS 1000 customizada, o quadro maravilhoso e a suspensão dianteira fazem a alegria dos customizadores

Fora das pistas alguns donos de GTS optam pela customização do modelo, talvez pela dificuldade em encontrar componentes originais. Segundo o engenheiro Luiz Mingione “a customização é uma opção para substituir peças originais velhas e ou avariadas, que são difíceis de encontrar e caras para reposição, além de modernizar a já rara Yamaha GTS 1000 e transformá-la em uma moto única e Fora de Série. Seria o sonho e um privilégio de qualquer customizador fazer um projeto com esse modelo”.

Talvez a melhor definição desse modelo foi escrito por Jack Baruth, para a revista americana Cycle World em 2018:  

“Conscientemente voltado para o futuro, o projeto Yamaha GTS 1000 não viveu o suficiente para chegar lá”.

Jack Baruth, Cycle World

Cá entre nós, uma pena.

Box: Motor na Fórmula 1, por Rodrigo Mora

Com pouco mais de 5 minutos e 30 segundos de duração, o comercial de lançamento da Yamaha GTS é quase um curta-metragem. Em um lugar ermo, provavelmente nos EUA, uma espécie de ovo prateado e gigante “nasce” após dois raios se encontrarem. Cientistas chegam ao local e começam a analisar a coisa. Não sabem do que se trata, mas vão descobrindo aos poucos, depois que um homem vestido com algo similar a uma roupa de astronauta fura a cápsula com uma pistola de laser e um supercomputador vai decifrando o objeto. Seu título não poderia ser mais coerente: “Evolução das Espécies”.

Rodrigo Mora – jornalista especializado em automóveis, colunista (Mora nos Clássicos) do portal UOL

Um dos recursos futuristas, com um quê de algo vindo de outro planeta, é o motor – o famoso Genesis. Sua origem está na FZ 750, superbike revelada em 1984 e que trazia o primeiro motor de cinco válvulas do mundo. A incomum configuração buscava mais potência com três válvulas de admissão e duas de escape, que segundo testes da Yamaha gerava 10% mais de força (chegando a 77 cv e 7 kgfm de torque) e economia de 5%. O Genesis também inovava na inclinação, melhorando o centro de gravidade da moto.

Depois da esportiva, o Genesis ainda foi usado em modelos como FZ 250, FZX 750 e FZR 400. E, claro, na revolucionária GTS.

Mas não foi somente motos que o Genesis impulsionou. Uma variante V12 de 60 válvulas (ou seja, com o mesmo princípio inovador das cinco válvulas por cilindro) e 600 cv equipou o Jordan 192, bólido da Fórmula 1 que disputou a temporada 1992 da principal categoria do automobilismo. Os pilotos eram Stefano Modena e um tal de Maurício Gugelmin.

O problema é que a Jordan já tinha desenvolvido o novo bólido para carregar um Ford V8. Quando rompeu contrato com a marca americana, a única opção foi aceitar o V12 Yamaha, fornecido gratuitamente. Bem maior e mais pesado, acabou desequilibrando o carro – o que fez daquela temporada uma catástrofe, somando apenas um ponto. Aquele fora o último ano de Gugelmin na Fórmula 1 – e também o da Yamaha empurrando um Jordan. 

Confira a reportagem completa, com imagens de Mario Villaescusa e participação de Cicero Lima, Diego Rosa e Leandro Melo.

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7 comentários sobre “Yamaha GTS 1000 – O futuro que não aconteceu

  • Ao vivo e maravilhosa, uma moto Monumental….
    Cuide bem dela …

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  • Realmente, é um show de motocicleta. Aqui em São Carlos tinha, também 1993, preta, a coisa mais linda. Mas atendendo a insistência de um cara, o proprietário a trocou num Mercedes, nem lembro o modelo. É uma categoria de motocicleta que faz falta no mercado como um todo. Mil cilindradas estradeira confortável para um casal viajar pelo mundo. Parabéns pela matéria.

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  • Bela matéria ,mas observa-se pelas linhas da moto faróis e espelhos se tratar de uma moto antiga principalmente modelos touring e street,são como os automóveis as linhas dos veículos vão adaptando as tendência da época independente de sua marca.

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  • A minha moto é uma Yamaha GTS1000 de 1993, depois de a ter comprado nunca mais quis trocar de moto.

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  • Baita matéria! Belíssima máquina! Nesses meus 35 anos de duas rodas já tive diversas motos. Mas não conhecia esse modelo da Yamaha.
    Atualmente tenho uma XVS 650 Drag Star 2005 e uma Sahara 99, esta em momento de restauração.

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  • Bom dia , eu tive o prazer de ter uma , comprei em Porto Alegre e fiquei uns 3 anos com ela , me arrependi de ter vendido assim como um Honda Paciific Coast 1989 que tive por 12 anos

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